Dr. Gerald Maguire: uma raridade dentro da medicina

Posted on abril 20, 2010

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Dr. Gerald Maguire tem razões pessoais para devotar sua vida à pesquisa e ao tratamento da gagueira. Seus estudos têm mostrado que a desordem é parcialmente causada por um defeito na parte do cérebro que controla a temporalização e o sequenciamento da fala espontânea.

Por Lisa Wither

Um homem está andando em uma livraria e resolve perguntar ao atendente: “Vo-vocês t-têm uma ss-seção de viagem?” O atendente responde: “S-sim, senhor, ali naquela pa-parede”. Zangado, o homem pergunta: “Vo-você está me imitando?” O atendente diz: “N-não, senhor, jamais”. Enquanto o homem procura seu livro, um outro comprador pergunta: “Vocês têm uma seção de culinária?” Sem gaguejar, o atendente responde: “Logo ali à frente, amigo”. Furioso, o primeiro homem vai tirar satisfação com o atendente: “Você e-estava me i-imitando!” “N-não, senhor. Eu estava imitando era ele.”

Nos livros de piadas meio-sem-graça, esta deve ser uma das menos lembradas – exceto para as pessoas que gaguejam. Para elas, estas piadas – tão comuns para seus ouvidos quanto corrosivas para seus espíritos – são lembranças de que a comunicação verbal, algo tão trivial para a maioria de nós, está o tempo todo lhes colocando à prova. “Pessoas que gaguejam enfrentam enormes obstáculos”, diz o psiquiatra Dr. Gerald Maguire. “Elas geralmente são vistas como pessoas menos inteligentes e sem habilidades sociais. Para se proteger da ridicularização, elas podem se tornar antissociais e introvertidas, assumindo um jeito de ser que é muitas vezes contrário às tendências naturais de sua personalidade.”

Maguire, que não tem memórias de um tempo em que não gaguejasse, experi­mentou pessoalmente esses desafios, mas se recusou, ainda quando criança, a ser tolhido por eles. Nas aulas de gramática, ele descobriu que, se imitasse vozes de personagens de desenho animado, conseguiria fazer seus colegas de classe rirem com ele, em vez de rirem dele. Ele também aprendeu cedo a importância de ter um bom vocabulário, que lhe dava opções para contornar palavras problemáticas.

Ele recorda: “Um ano, fui escolhido para apresentar um trabalho sobre minha família na classe. Só que, por mais que tentasse, eu não conseguia dizer a palavra ‘brother’ facilmente. Meu glossário em inglês definia ‘brother’ como ‘male sibling’. Então, falei que tinha quatro ‘siblings’ – três homens e uma mulher – e me saí bem na apresentação”.

Um ambiente familiar compreensivo e ajustado deu a ele o suporte adicional de que precisava. Maguire, que sempre se sobressaiu nos estudos e tinha muitos amigos (embora admita que não tenha sido fácil namorar), comenta que usava sua dificuldade de fala como um trampolim, perguntando a si mesmo, “Bem, eu tenho gagueira. Agora, além disso, o que mais eu posso conseguir?”

Professor associado de psiquiatria clínica e comportamento humano e pró-reitor de assuntos educacionais da Escola de Medicina de Irvine, na Universidade da Califórnia, Maguire já conseguiu muita coisa. Recentemente, suas conquistas se ex­pandiram ainda mais. Como diretor de um recém-inaugurado Centro para Tratamento Médico da Gagueira, Maguire comanda um time dedicado à pesquisa científica da gagueira e ao atendimento de pessoas que gaguejam. Atualmente, o centro é o único no mundo que busca otimizar a fluência do paciente através de uma combinação de terapia fonoaudiológica, aconselhamento, medicação e pesquisa. O centro se transformou rapidamente num local da maior importância para aproximadamente 3 milhões de americanos que gaguejam.

Vencendo Barreiras

A gagueira cria uma desigualdade peculiar. Pessoas bem intencionadas ficam tentando adivinhar e completar frases para pessoas que gaguejam. Piadas maliciosas são seguidas por comentários na linha “onde está seu senso de humor?” As tentativas de avançar na vida são desencorajadas, algo que Maguire experimentou na pele enquanto cursava a faculdade de medicina. Nos seminários que apresentava, notava que sua gagueira “causava desconforto nas pessoas”.

Mas para as pessoas que gaguejam, a mais cruel de todas as ironias está no fato de a gagueira freqüentemente lhes roubar a chance de responder adequadamente com a maior de todas as armas que possuem – a inteligência. Pouco adianta ter algo inteligente a dizer quando as palavras custam muito a sair.

Durante a maior parte do século XX, a gagueira foi inutilmente estudada dentro do princípio da “necessidade reprimida” de Freud, que sugeria que a condição era um comportamento neurótico que resultava da negação de uma necessidade fisiológica básica. A medicina moderna, no entanto, vem conseguindo explicações melhores a partir do estudo do cérebro humano. A ruptura intermitente de impulsos nervosos no interior do hemisfério esquerdo cerebral (que governa a fala e a linguagem) estaria na origem da gagueira.

“O neuroimageamento por PET scan tem revelado irregularidades no cérebro de pessoas que gaguejam, entre elas uma atividade acima do normal de dopamina – neurotransmissor, derivado da catecolamina, que ajuda a regular o movimento no cérebro. Medicamentos desenvolvidos especificamente para combater isso serão cruciais nos futuros protocolos de tratamento da gagueira”, afirma Maguire, que atualmente chefia um estudo sobre o medicamento Pagoclone (da Indevus Pharmaceuticals), o primeiro fármaco a ser testado especificamente para o tratamento da gagueira (v. vídeo).

Outra coisa crucial na gagueira é a intervenção precoce. A prática clínica tem mostrado que crianças que iniciam a terapia fonoaudiológica assim que a gagueira surge (geralmente por volta dos 3 anos) mostram progresso significativo. “Algumas crianças superam completamente a gagueira, outras melhoram a ponto de a disfluência deixar de ser um problema. Adultos que não receberam tratamento fonoaudiológico ou não responderam a ele quando mais jovens vão gaguejar para sempre, mas também podem melhorar bastante através de uma intervenção que combine medicação e tratamento fonoaudiológico”, diz Maguire.

Obtendo Reconhecimento

Para Granville Kirkup, um bem-sucedido homem de negócios e paciente de Maguire desde 1992, a missão do centro de pesquisa idealizado por Maguire, e parcialmente financiado por ele, é pessoal. Kirkup também gagueja desde a infância. “Foi por causa da gagueira que me tornei dono de empresa – eu não conseguia lidar com as entrevistas de emprego. Então, decidi criar minha própria companhia e contratar pessoas para fazer ligações e tratar com o público para mim“, diz Kirkup.

Na Inglaterra, onde nasceu, e mais tarde nos EUA, Kirkup construiu um impressionante currículo de homem de negócios na área de telecomunicações e desenvolvimento de software. Notável também é sua inclinação filantrópica: em 1999, sensibilizado pelo esforço investigativo de Maguire, Kirkup doou à UCI 250 mil dólares. Mais tarde, em dezembro de 2006, doou mais 1 milhão de dólares à instituição, uma ajuda que foi bastante significativa para a viabilização dos propósitos de pesquisa do centro.

“Eu acredito que Maguire está no caminho certo de conseguir um enorme avanço no tratamento da gagueira”, diz Kirkup. “A gagueira afeta a vida inteira de alguém, então é muito importante que exista um lugar como esse, em que as pessoas possam receber orientação e ajuda. Sob o comando do Dr. Maguire, a UCI será conhecida como um lugar de referência para o tratamento completo da gagueira.”

O Futuro

Agora, aos 42 anos, Maguire, o homem que não tem memórias de um tempo em que não gaguejasse, faz considerações sobre seu futuro. Um palestrante assíduo em simpósios e congressos ao redor do mundo e colaborador regular de revistas médicas, ele devota boa parte de seu tempo a uma forma menos sofisticada de comunicação: responder a centenas de e-mails que recebe toda semana de pessoas que gaguejam – quase sempre perguntando se existe ajuda disponível para esta condição tão dolorosa e, de muitas maneiras, ainda tão mal compreendida pelo mundo.

“O centro é uma linha de defesa vital para essas pessoas”, diz Maguire. “Nos anos seguintes, veremos medicamentos sendo desenvolvidos especificamente para a gagueira, que fornecerão respostas muito mais eficazes. Também vamos melhorar a pesquisa sobre marcadores genéticos capazes de determinar com maior precisão o perfil hereditário da condição, o que será de grande auxílio no tratamento direto da gagueira.”

Ele para e reflete por um momento. “Eu amo ensinar e orientar as pessoas – e o que mais me influencia a continuar fazendo isso é que eu entendo exatamente como os pacientes que gaguejam se sentem. Eu acredito que posso fazer uma diferença – e isso deve tomar conta dos meus próximos 40 anos.”

— Lisa Wither

Link para o artigo original (em inglês): Getting the words out
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